quarta-feira, 13 de março de 2019

Mais um aniversário da minha maternidade

Estou completando 16 anos de maternidade plena. 



Eu ainda lembro os detalhes daquela manhã de 2003: havia meses que eu dormia mal, mas há três dias havia piorado, pois eu só tirava alguns cochilos. Então levantei às 6h, sentindo uma dor muito fina, uma cólica que não chegava a impedir nada, mas era incômoda. Era uma cólica que havia dado sinais nos dois dias anteriores, com hora para começar e terminar. Mas naquela manhã ela havia começado às 3h e ainda permanecia. Eu liguei o vídeo-cassete (sim, em 2003  usávamos fitas para gravar) e fui assistir o capítulo da noite anterior da série televisiva da Globo 'A casa das 7 mulheres'.
Enquanto as cenas se passavam, eu fui tomando consciência de que a minha cólica ficava um pouco mais forte a cada vinte minutos, ou menos, eu acho, e a barriga se contraía.



Eram 6h40 da manhã quando liguei para o celular do meu médico e ao falar do que eu sentia, ele pediu que eu fosse vê-lo.
Então fui avisar a minha mãe, que prontamente arrumou-se e pegou a mala do baby e de grávida, prontas para quaisquer emergência. Já eu, que calmamente via o final do capítulo, estava também a programar o vídeo para gravar o capítulo seguinte, caso precisasse ficar no hospital.
🤪
Naquela manhã, meu médico, Drº John Lee Filho, estava em plantão na maternidade que eu havia escolhido, Manoel Novais, em Itabuna. Era perfeito.
Pura sincronicidade do Universo.
🙏
Telefonei para os meus dois irmãos, que naquela data estavam na cidade, também uma boa coincidência, já que um deles residia fora, e prontamente vieram para levar-nos ao hospital.
Realizei a consulta às 8h30. Dr. John verificou que havia dilatação de pouco mais de dois dedos e eu fui enviada para uma sala de preparação íntima.
😱
Ali perdi todo e qualquer pudor. Sentir uma estranha passando um aparelho de barbear em partes íntimas que eu nem enxergava, por conta do barrigão, provou-me que eu precisava confiar nos profissionais e deixar que meu corpo fosse o veículo para que a vida do meu filho viesse ao mundo. Ele não era o meu corpo naquele dia.
Aplicaram-me soro com medicação. Imediatamente senti a bolsa de líquido amniótico a se  romper.
 Não demorou nadinha, pelo menos para o tempo que se conta com dor, que parece longo, mas a enfermeira disse que o bebê estava "coroando".
Então fui levada à outra sala, desta vez numa maca, para ficar com outras mulheres parturientes, que gemiam alto (e algumas gritavam, o que fazia eu me conter).
Enquanto eu repetia sem parar: 'Maria, Jesus,  ajudem-me' e respirava conforme eu havia aprendido no Pilates.
Eu fazia pilates há dois anos, e na gravidez tinha feito um treinamento específico para parto normal.
Eu me sentia tranquila com aquela dor enorme que me dilacerava, mas eu sabia exatamente o motivo.
Enquanto isso, meu irmão Marcelo avisava a Cris que nosso bebê estava à caminho. Então as 9:50 hs, já numa sala de parto, Arthur nasceu, dez minutos depois do médico entrar, olhar pra mim e dizer: 'que parturiente facinha é essa? eu saio um pouco e ela faz o serviço quase todo sozinha?'

Sim, tinha sido sem anestesia. E foi impressionante como toda e qualquer dor cessou quando Arthur chegou.

Arthur chorou e Cris o ouviu pelo celular.  Eu, ligada em tudo, pois essa é a vantagem do parto normal, acompanhava todo e qualquer movimento. Meu filhotinho teve uma limpeza rápida na sala de parto, foi pesado e depois colocado em meu peito, para sugar com uma força que me impressionou (guri esperto).
Foi quando eu senti verdadeiramente o meu papel de mãe. Nascia um filho e nascia uma mãe. Fomos para o quarto e eu olhava aquele menininho pequenino, com 2,6 kg, de olhos enormes, e acho que ali começou o mais lindo caso de amor da minha vida. Eu estava irremediavelmente apaixonada.

Um amor incondicional. Ele completa hoje mais um ano de vida.  Foi sempre um menino comunicativo e  inteligente, aventureiro, argumenta tudo desde novinho, compreende facilmente as coisas, e surpreende-me o tempo todo nesse caminho de maternidade. Vale conferir nossos embates.
 Quem aparece aqui no Blog de vez em quando sabe que há muitas histórias envolvendo meu rapazinho.

Aliás a ideia do  blog surgiu porque viajo muito, e como todo mortal, penso que posso ir sem falar ao meu filho tudo o que penso. O Blog serve para deixar registrado coisas que quero que ele saiba. No exercício da maternidade, a cada 13 de março, reitero esse compromisso com o Divino, de saber que a maternidade não é posse, é apenas amor sem esperar nada em troca, e um super desejo que nossa cria possa ser sempre mais e mais feliz.

   
Dia desses recordei, quando tive os dois sonhos premonitórios, que hoje sei que eram projeções astrais antes dele nascer.
Foi antes mesmo de saber que estava grávida.
No primeiro sonho,  um jovem cheio de luz e amor no olhar, dizia-me que ia voltar para vivermos a mais bela experiência de amor juntos. Disse-me, no primeiro sonho, que já havíamos vivido vários tipos de amor mas que, daquela vez, seria a mais forte e pura de todas. Disse chamar-se Frederico.

No segundo sonho, uma semana depois, eu segurava um menino no colo. O menino fazia xixi. Estava nu. Eu ria. No sonho eu me perguntava "mas de quem é esse bebê?"
Imediatamente ouvi a mesma voz a responder "sou eu, Frederico. Estou pronto para voltar".
Eu fui acordando devagar. Com uma sensação de certeza: eu estava grávida.

Havia 28 dias do meu último encontro com o Cris. Era aniversário dele, 02 de julho de 2002. Final da copa de 2002. Comemoramos em grande estilo.

Liguei para a minha amiga Kalu, bioquímica e dona de um laboratório. Perguntei se com 28 dias era possível confirmar uma  gravidez.
Ela me pediu que eu fosse até o laboratório.  Coletou um pouco de sangue.
Tomávamos chá enquanto ela observava uma reação no sangue. Era taxa de algum hormônio.
Sim, eu estava, disse-me. Nos abraçamos. Foi lindo e emocionante.
Pensei:
É um menino. Frederico ia voltar.
E assim foi.










Arthur Frederico é alma velha. Espírito antigo e amigo. Seguimos na jornada. Com amor incondicional...




quinta-feira, 7 de março de 2019

Mulher, maternidade e outras questões da minha condição de gênero

Estar mulher, neste planeta comandado por homens, não é uma condição muito fácil, e com razões fáceis de enumerar:
1. Vivemos em balança hormonal (e hormônio é o combustível da normalidade na vida biológica humana), não compreendida bem pelo sexo oposto e divulgada sempre com tabus e/ou chacota pela mídia _ TPM, Menopausa, depressão pós parto, e por conta disso as mulheres são taxadas de neuróticas, frígidas, etc.
2. Nós temos um ranço enorme de uma sociedade milenar machista e calcada em dogmas religiosos que nos impôs condições diferenciadas e subalternas na convivência com o Outro (aquele que tem um pênis).
2. E, para completar, com base na vivência no Brasil (país de desigualdades sociais e raciais) e aqui em Portugal há quase 3 anos _ com (ainda) desigualdades de gênero _ há um alto índice de violência doméstica neste planeta, que sugere um status de poder físico e humilhações psicológicas, em relações de afeto, que ainda persistem, após revolução política (Francesa e democrática), industrial, sexual e tecnológica. Precisamos mesmo é de Revolução Afetiva.

Diz a piada espírita que uma reencarnação como mulher, equivale a cinco encarnações masculinas.

Pois bem, essa introdução é para falar de mim. Mulher e mãe.
Como mulher, vivi muitas vezes situações em que eu recebia menos salário, nas mesmas condições de trabalho, nas Emissoras de Televisão em que trabalhei.
Era visível que eu ganhava menos do que os meus colegas masculinos, que conseguiam  sustentar casa, mulher, filhos e veículo, sendo repórteres, iguais a mim. De 1994 (estudante de jornalismo) a 2003, quando atuei em TV, ainda sem filhos, eu sempre tive dificuldade em sustentar-me em comida, pagar aluguel, manter carro e andar arrumadinha como a profissão o exigia.
Tenho certeza, até pelas conversas de corredor, mesmo sem ter tido acesso aos seus contra-cheques, que eram salários diferentes (eu e meus colegas repórteres homens). Tanto que em todas as vezes, nas rodinhas em horários de lazer, em que estávamos, e o assunto era salário, se desconversava na hora de falar em acordos. Sim, havia acordos diferentes, para uma mesma função, e, em muitos casos, eu era formada em Jornalismo, e alguns dos meus colegas homens, não eram. Não que isso no interior desse rincão chamado Brasil, tenha muita importância. Fui repórter em Cuiabá, Campo Grande, entre Bahia e Pernambuco (Juazeiro e Petrolina) e nas cidades baianas de  Feira de Santana, Itabuna e Salvador, e sim, ganhava menos que meus colegas homens.

Quando eu me afastei do Jornalismo diário, nas TV´s, meu salário último, depois de anos de carteira assinada e comprovada experiência, foi R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), em 2003.
Esse valor  não correspondia sequer a três salários mínimos da época, para trabalhar de domingo a domingo, em muitas semanas de plantão, em horários complicados, em dias de feriado, em períodos de festas, como natal, ano novo, páscoa e carnaval.
Não tinha nada extra em dinheiro, nenhuma hora sequer. Apenas recebia em banco de horas, em forma de uma segunda-feira morta, em que eu poderia ficar em casa.
Eu era  formada, com  pós-graduação, livro publicado, e em 2003, iniciando um mestrado, ensinando já na UESC há dois anos, e já com um filho de meses a demandar carinho e cuidado, decidi largar a profissão e mergulhar na vida acadêmica.

Mas confesso que adorava a falta de rotina da TV, no sentido de todo dia poder tratar um tema diferente. Mas a desvalorização profissional e mais, de gênero, me levou a abandonar o telejornalismo, que era a minha praia. (LINK de uma atuação como repórter).

Como mulher, tenho memórias de tantas situações esdrúxulas, com relação a assédio, a piadas tortas e comentários ridículos, em que a questão sexual era exposta sem qualquer critério. Destaco duas: um professor ao ver que eu não gostava dos seus comentários machistas em sala de aula, reprovou-me, como forma de punição, por eu não participar no jogo de piadas e insinuações que ele fazia com todas as mocinhas da sala (lembro que ele dizia, 'quem tem como me pagar nada me deve', quando dava chance a uma aluna de trazer exercício em outra aula, deixando claro que o pagamento era com favores sexuais. A fala dele gerava mais piadas e muito riso dos colegas homens da sala, enquanto as mulheres daquela classe  ficavam sem graça.
Eu retruquei com voz grossa, deixando claro que não achava aquilo certo e não deu outra, fui punida. Naquela época não se falava em assédio moral, nem tampouco sexual. Repeti a disciplina com uma professora e passei com 9 (a nota máxima no Brasil é 10).

A outra situação cruel, foi em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, quando era fotojornalista freelancer. Eu prestava assessoria  para a Associação dos Magistrados daquela cidade, fui fortemente assediada por um Procurador Geral, um senhor de mais de 60 anos, e eu uma mocinha. Ao dar queixa aos gestores da associação, fui dispensada sem qualquer explicação.
E meu namorado na época, um namoro sério, de anos, riu de minha indignação, achando que eu não deveria ter dado queixa do procurador. Que eu "fiz uma tempestade em copo d'água". Como fiquei chateada com a incompreensão dele.

Penso que em pouco tempo tivemos muitas conquistas. Hoje duvido que um professor daquele tipo sobreviva em sala, sem queixas formais.
Ou que alguma mulher não saiba o que fazer quando um homem a assedia como aquele procurador o fez comigo.
Lembro que fiquei em tão mal estar que fui trocar um filme cheio e acabei jogando o filme no lixo, e tive que procurar na lixeira, tal meu estado alterado de emoção, diante do absurdo de ser assediada daquela forma, enquanto trabalhava.

Nas minha memórias também coleciono uma série de caras e bocas que vi no rosto de muitos homens e mulheres, quando relatava que escolhi não casar com o pai do meu filho, ainda grávida.
Eu fiz essa escolha consciente, no final da gravidez,  por perceber, já naquela época, que éramos muito diferentes sobre como lidar com muitas questões, inclusive com paqueras e relações extra-conjugais.
Eu era noiva, usava aliança. Até assinei um documento comprovando a relação estável, para ele ter direitos em sua coorporação. Ele era um rapaz que insistia em querer casar logo, mas SIM, eu postergava porque percebia que havia imaturidade, eu percebia que ele era mulherengo, que havia outras pessoas na vida dele e resolvi sair da relação, pois eu compreendi que eu também não tinha maturidade para lidar com um relacionamento falido. Eu acredito na monogamia por opção.

Saí de vez da relação quando o menino tinha um ano e oito meses, depois de um flagrante da traição dele, onde ficou fácil justificar para todos que eu não queria estar com um homem bonito, inteligente, bom pai, educado e atencioso, que só tinha um "defeitinho", segundo até minha mãe (era mulherengo).
Eu fui mãe integral nos três primeiros anos de Arthur. Só saia de perto do meu filho para trabalhar e revezava com a minha mãe, durante esses anos, o período de trabalho, para eu ou ela estamos sempre com ele. 
Passei no concurso da UFRB e fui viver em Cruz das Almas. Sem um único parente, tudo era eu, mãe 24 horas, durante a semana. Dentista, médico, reuniões de escola... além do meu trabalho, das demandas de uma casa (mercado, coisas que quebram, manutenção, etc.), a vida era um estresse. 

Meu ex longe, pai de telefone, web cam e, após mais de dois anos fora, quando retornou, pois estudava para ser piloto de avião, virou pai de finais de semana. Foi onde tive um pequeno alívio, nesta difícil jornada tripla. Quem tem filho pequeno e mora só sabe, nem banheiro conseguimos usar em paz. Eu ia ao banheiro e Arthur pequeno ia junto. Nada de deixar menino sozinho. Morria de medo de algo acontecer.

Quando o meu ex voltou, após curso fora do estado da Bahia, só podia ver nosso filho nos finais de semana, pois morávamos em cidades diferentes. Nem por isso recebeu uma única crítica por ter ido estudar fora por mais de dois anos, por ter se relacionado com outras mulheres enquanto ainda estava comigo. Nunca vi ninguém falar nada sobre isso. Ele, homem, nunca recebeu nenhuma crítica, porque é mesmo normal os pais irem em busca de melhoria profissional e pessoal e são as mães que ficam com os filhos. Regra social.

Pois bem, eu decidi em 2011, sair do interior e morar perto do meu ex. A 500 metros. Perfeito. Meu filho passou a viver muito mais na casa dele (e eu também). Eu não tinha outros amigos. Era como se eu fosse parente. Mas eu era a ex-mulher. A ex sem vida própria.
Em 2012, decidi mudar de casa, morar a 40 km da casa do ex. E, com isso,  mudar minha rotina de vida. E eu e o pai do meu filho decidimos que o nosso filho  ficaria de segunda a sexta na casa do pai, que trabalha na cidade, enquanto eu trabalho fora, a 120 km de Salvador. Se ele morasse comigo, passaria 3 dias e meio com uma babá, que pudesse dormir em casa,  tudo seria mais complicado.
Então foi decidido que eu ficaria de sexta a domingo com ele.

Meu Deus! minha mãe, a mãe dele, minha ex-sogra, a irmã dele (que era minha amiga), e mais um milhão e meio de pessoas, me crucificaram.
Minhas escolhas não condiziam com meu papel de mãe e de mulher. Eu tinha um papel e abandonei no meio (era o que eu ouvia).

Depois da mudança de casa, quando eu ia buscar meu menino nas sextas-feiras a noite, eu e ele ficávamos 24, 36, 48 horas ligados... de verdade.
Fazíamos coisas juntos, de verdade, como eu sei que muita gente não faz.
A qualidade das nossas horas juntos superava, em muito, a quantidade. E isso me faz ver o quanto ser mãe é relativo.

Mas minha mão direita pipocava em alergias, que os dermatologistas não explicavam e nomeavam de desidrose por stress.
Meu acupunturista, na época, perguntava-me se havia algo do feminino mal resolvido.
Sim, havia. Era a maternidade social que estava em aberto, pelo facto de meu filho assumir que morava com o pai. Eu era aquela que ficava apenas dois dias, por semana, com ele.

Nem mesmo eu, em meu psiquê rançoso de milênios, aceitava-me como mãe de finais de semana. Muito embora, na racionalidade de quem trabalha em uma universidade, saiba que meu filho tem orgulho de uma mulher guerreira que eu sei que sou.
Meu menino é inteligente, interessado em bons livros, em bons filmes, em teatro, esporte, boas atividades lúdicas,tem visão espiritualista da vida (eu o levava aos centros espíritas que frequentei quando era dessa religião) e já se interessa pela conscienciologia e pela física quântica, que eu passei a estudar. Sei que ele tem muito de mim, que me admira.
Mas nem isso provocava em meu inconsciente a minha redenção.

Vim morar em Portugal em 2016, para cursar um doutorado maravilhoso na Universidade do Minho. Nos primeiros meses, meu sofrimento pela distância era tão intenso. Mas era também auto punição. Meu filho, ao vir sempre e ficar dois meses cá, comigo, mostrou-me que é muito feliz, independente de mim e por eu ter escolhido vir, mais ainda feliz ao conhecer a Europa.
Eu sou culpada, pela minha cultura machista. E só peço ao universo que eu consiga educá-lo para um futuro sem diferenças de gênero, já que ele está sendo educado em um sistema de partilha diferenciado e vê, na mãe, uma mulher diferente das outras. Eu sou o exemplo vivo da mudança, muito embora pague na carne, com minhas feridas da alergia, o preço de mudar.