segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Vida em grupo

Estar em Portugal foi transformador para uma pessoa como eu, extremamente solitária por natureza, de poucos amigos íntimos, de pouca convivência em grupo. 
Morei em MT, MS, PE, RJ, em diversas cidades da BA, mas nunca fui de andar em grupo. Tive pequenos grupos na adolescência, mas depois dos 16, quando comecei a trabalhar, a prioridade era sobreviver. 
E o tempo livre era para descansar, ler, ficar quieta.  Caprica, caprica, caprica, solar, lunar e ascendente, viver em grupo não é para um cabrito que sobe a montanha através do estudo e do trabalho.
Mas estar temporariamente longe de filho, de família e dos poucos amigos próximos, fez-me redescobrir a importância de ter grupos e de fazer atividades com eles. 
E também de aproveitar muito, o pouco tempo, quando o meu filhote estava lá em Portugal comigo, ou quando a minha mãe ou alguns poucos membros da família estiveram por lá. Largar o trabalho foi exercício interessante, quando trabalhar é também diversão. 


Arthur, eu, Lúcia e Mara em Compostela.


Ano Novo no Porto com Patrícia e Neia e as nossas crianças.

Aprendi que era importante compartilhar momentos com outras pessoas com quem eu tinha alguma identificação, alguma afinidade. Um ano tem 104 sábados e domingos. Tem diversos feriados. E, eu, ao menos, procurei ficar poucos dias de sábado e domingo em casa a chorar pitangas de saudades. Foram pelo menos uns 400 dias em quase 4 anos, de pura alegria a compartilhar bons momentos. 

A galera do Vida Nova em Braga

A turma do doutorado


Comida baiana na casa da Rita

A visita de Mariana e Vanderly

Procurei sair do ambiente da Universidade e dos arquivos onde pesquisava, sempre que podia. Conviver em outros lugares com os meus muitos grupos: do doutoramento em Ciêncais da Comunicação; de diversos cursos da UMinho, principalmente da Faculdade de Educação, que conheci através da Ciça, uma vizinha que acabei por tornar-me amiga e fazia questão de convivências. Ciça Karla integrava, juntava gente. Antes de aparecer um câncer desafiador, a vida da Ciça era juntar gente.  
Eu senti, principalmente depois da queda, do rompimento do menisco medial, e de estar debilitada, sem nenhum familiar por perto, a importância de ter boa companhia. Sou muito grata a ela, que também é Lins. Lins do Ceará. 

Gerusa e Ciça Karla
Excursão à Vigo, com Vida Nova em Braga, eu, Dani e Dalvinha 

Outro destaque na minha vida neste período foi a Dalvinha. A Dalva Ramaldes, criadora do grupo de brasileiros Vida Nova em Braga, com seus integrantes que adoram festar, e que promovem seus inúmeros passeios, super baratos, divertidos, para descobrir recantos de Portugal e Espanha. 


A turma de mestrandos e doutorandos da Faculdade de Educação da UM

Eu me senti tão mais forte com esses grupos sempre a me requisitarem. A terem paciência com o fato de eu ter que andar devagar, de precisar de ajuda. Eu sabia que tinha grupos com os quais podia contar. Foram mais de nove meses de dor, de limitações, de muletas. Gestando tese com dor. 





E essas pessoas que estiveram comigo neste tempo foram muito solidárias, compreensivas, integradoras. 

A turma 2017 do doutorado, do Mateus, Juliana, Vilmária, Lina e Evelyn. 
Almoço angolano na casa da Sandra querida


A turma em 2018, com a presença da Naiara e a Valéria Castanho na visita à Braga. 

Os eventos sempre muito democráticos. Quem podia e queria, participava. Quem não podia, participava em outras oportunidades.


Com Elinéia, Márcio, Fernando, João e Ciça, na nossa primeira ida à vinícola da família do Márcio.

Criávamos oportunidades: os aniversários; as defesas de teses e dissertações; as chegadas de novos membros das comunidades, as despedidas, as tardes de domingo nas confeitarias para um chocolate quente. 


A Dri, a Lia e eu de canadianas

Os grupos de convivência que foram se criando temporariamente por algum tipo de ação pontual, como o pessoal da Igreja Messiânica de Portugal, da Liga Portuguesa contra o Cancro ou  da Umbanda, quando ajudei no documentário da Sandrine Souza, Ciça, Filha do Vento.

 
Na Liga Portuguesa, com as guerreiras, a combater o câncer 

Levando o doc Ciça Filha do Vento nos eventos educacionais e esportivos
Com a Bete, a Cris e a Karla, nos eventos da Igreja Messiânica, em Coimbra
Os lindos e acolhedores membros da Igreja Messiânica em Braga
 
Amigos de amigos, que faziam questão de me levarem para conhecer belos sítios nos vilarejos e atrações naturais do país que aprendi a amar nos anos que lá fiquei. Momentos de festas familiares em que eu fui aceita com afeto. Só posso agradecer. 

Com a Claúdia e o casal Afra e Rafael
A Vanessa e a Claudinha

O Fernando, o Christian, a Ciça, eu e filhote


Natal na casa da Dri e do Jivago, com as crianças


 A turma boa da UM no meu aniversário no Café Viana, com a presença de muitos queridos, inclusive a Sandra Luz, a Daiane Tamanaha e o Mário Pinheiro, amigos da UFMS.

Segundo natal na casa da Dri
Lá em casa, dia de comida japonesa, com a Cris e o João
Eu e minhas companheiras de casa, por alguns meses, a educadissima portuguesa Liliana, de Aveiro, e a vietnamita linda e meiga, a Thuy, que é arquiteta e mora agora no Canadá.
 




As comilanças! bons motivos para encontros. Após eventos da UMinho, após aula, após defesas, após tudo! como engordei. Cheguei a pesar DEZ quilos a mais. Primeiro porque a muleta e a limitação de movimento me tornaram ainda mais sedentária.


 Depois porque comer bem, em Portugal, é redundante. 
Até aprendi a fazer acarajé e moquecas só para reunir os baianos e os nordestinos. 
E que prazer apresentar as comidinhas de Portugal aos amigos. Apúlia, sempre que podia.  


Ou ainda reunir-me com amigos que fiz fora de Braga, brasileiras e brasileiros, estrangeiras ou estrangeiros que conheci no Couchsurfing ou através de outros amigos, e com apenas algumas horas de conversa virtual, troca de contato via Instagram ou Facebook, que nos permitiram encontros fora de Portugal e de manter a amizade até hoje. 




Um prazer que senti era em ser uma guia para os visitantes amigos, conhecidos de velhas datas, que fizeram questão de ir me ver e que, a cada encontro, surgia em mim uma vontade imensa de conversar, sair, interagir, saber do Brasil, saber da vida, matar saudades, mas também poder mostrar um pouco do que eu tinha visto em Portugal e que me encantava.   


















Outro prazer foi tentar conhecer os amigos de amigos, que nos são apresentados, e que logo há empatia, simpatia e harmonia. Como a Betinha, a Bete Rocha, apresentada pelo meu fisioterapeuta, o Márcio Aleixo, outro querido, que incrivelmente, depois de dois anos de massagens axiais contra as câimbras, eu não tenho foto com ele (que absurdo). Além do meu tratamento, preciso sempre agradecer ao Universo, que utilizou o Márcio para me aproximar da Bete. Uma das pessoas mais fortes, psicológica e emocionalmente falando.






Sempre de bom humor, exceção quando está com fome ou sono, a Bete fazia minha alma sorrir. Ela me apresentou Orlando, que me apresentou seus amigos queridos e assim, os grupos só cresciam. Amigos para momentos felizes. Orlando foi o melhor anfitrião que eu poderia ter no Algarve. Conheci cada ponto daquele lugar encantado. 


Um aspecto que observei nestas construções rápidas de afeto, é que muitos pessoas que se aproximavam de mim, tornavam-se rapidamente confidentes  capazes de me ouvir sem julgar.






Na maior parte das vezes não havia intimidade, não havia muitos interesses em comum, mas como éramos, na maioria dos contatos, todos estrageiros, acolhidos uns pelos outros, ou pelos nativos, e temos tanto de parecido na rotina de solidão, que as afinidades estão ali: na necessidade da convivência. 

Convivendo com brasileiros, angolanos, venezuelanos, indianos, iranianos, alemães, espanhóis, pessoas que como eu, estavam fora de domicílio, tão ilhas quanto eu. Ou convivendo com portugueses que tem curiosidade ou, como Orlando, tem admiração pelo Brasil.
  








 Os passeios ao campo, os pequeniques, as sessões de meditação ao ar livre, as idas às discoteques, os momentos de descontração...  No inverno, no verão. 




Muitos chegavam, não se demoravam muito tempo e tinham que partir. Motivo para estar perto logo, urgente. Havia os que chegavam e integravam-se.  








Dificilmente passei uma semana sem um único encontro com pessoas queridas. Nem que fosse um almoço ou lanche na saída da Biblioteca.







 Encontros com quem pudesse, com os que estavam disponíveis. A disponibilidade sempre foi um estado de alma. O Cesinha, César Augusto, Bibliotecário da UMinho, por exemplo, durante o almoço, estava sempre disponível. Por isso era sempre concorrido os almoços com ele. Cesinha é o verdadeiro embaixador da UM.


Desde 2018 eu queria ser a atriz dos memes dele. Ria muito quando via os memes de Cesinha no Facebook. Achava as palermemices a coisa mais divertida do dia. E rir e fazer rir é mesmo uma prioridade para mim. 

Se quiser rir despretenciosamente, vai lá no @alenelins do instragram, vais dar boas risadas.

Bom, esse post é só para dizer que finalizei a Tese no prazo, aprendi muito na UMinho, recebi as melhores notas nas disciplinas que cursei, escrevi bons artigos, em português e em inglês, publiquei em boas revistas e... vivi. Vivi e convivi. 
Na UMinho, pelo centro da cidade, no campo, nos vilarejos.  Encontravámos motivos, eu e meus grupos para conviver. Criavámos motivos, e isso foi mágico nos quase quatro anos de Portugal. 



As vezes os encontros eram só pra jogar boa conversa fora. Uma espécie de terapia brazuca ou de stranger, da saudade de falar bobagens que só quem é de uma mesma cultura entenderá ou de quem se sente longe de casa. As vezes são nestas ocasiões que a terapia é mais profunda. Momentos em que tudo o que se quer é falar das faltas, das ausências. Quem resolveu ficar longe da terra natal e dos parentes bem entenderá.
 


 Encontros para preencher a alma. E sempre com muita comida, bebida, música, diversão, lugares bonitos, e muitas risadas. Sim, redescobri em Portugal a amigoterapia, a fraternoterapia. De graça. Confesso que foi uma das mais ricas trocas nesta aventura de estar fora, de ser estrangeira.













E, por fim, preciso admitir, que ao estar em depressão, por fatores que não cabe aqui explicar, foram elas, as amigas, que me tiraram do buraco. Adriana Cabral, minha dentista terapeuta, Bete Rocha e Sandrine Souza, três lindas que nunca pude reunir em foto. Mas que reunidas em meu coração, precisam saber: salvaram uma pessoa. 
Amizades é escolher quem queremos no caminho da vida.