quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Para Arthur Frederico (senta, que lá vem história...)

Completo amanhã mais um ano de vida e preciso escrever para esse menino outra vez (lembrando que é a terceira... Lá vem história I e lá vem história II . Eu fui muito afortunada, meu pequeno. Nasci em uma família que me recebeu com muito amor. Eu me lembro de quando pequena, sempre ter vivido em ambiente de muito carinho, mas se rolasse bronca, castigo ou tapão, tinha uma razão, e tudo ficava bem depois. Lembro de sempre ter sido incentivada a estudar, a aprender, a ler muito (meu pai era um leitor ávido. Pouco de TV, muito de livros). Meu pai era de conversas longas, sobre qualquer assunto. Ele me parecia um 'google' ambulante (fazendo uma analogia com os dias de hoje). Tudo eu perguntava a ele. Mas sempre o vi, na dúvida, recorrer a uma enciclopédia enorme que tínhamos e que era maravilhosa. Hoje vejo você agoniado se falta luz (porque o Play e a TV param), ou se não tem internet (e vc fica sem seus vídeos), naquela época, sabe o eu fazia quando não tinha o que fazer? eu sentava com um grande livro no colo, eram 20 volumes grandões, daquela linda enciclopédia. Foi nela que descobri que baratas sobrevivem até a explosão nuclear. E tudo sobre dinossauros, sobre vulcões ou cataclismos... ah, muito conhecimento. Devo ao meu pai essa sede por saber sempre mais. A minha mãe era diferente. Não era de TV também, não era de leitura, não era de bordado, nem de comidinhas elaboradas. Rapaz, minha mãe era de organização, de casa limpa, de roupa cheirosa, de tudo no lugar... Minha mãe era de atenção completa. Ainda é. Faz tudo pelos filhos. Precisa fazer tudo por ela. Anda simples, come simples, veste simples, vive simples. Preciso ensinar a minha mãe que ela é o centro da vida dela. Vai ser uma guinada!!!! Mas enfim... minha avó Nira era a referência sempre. Mulher forte, uma rocha. Tudo desabava sobre ela, e ela firme. Ai de nós, Nydia, Mara, Lícia, Tereza, Rita, Alene e Nícia... ai de nós se formos menos que Nira! não podemos. Antes de Nira, Lavínia. Viveu por quase 91 anos. Nira, faltava uma semana para 96 anos quando se despediu... sim, meu filho, somos gente que vive muito, se doença dos sistemas coronários e vasculares não atacarem, ou câncer ou suicídios... Convivi muito de perto com suicídios. Três tios se foram assim. Um choque, um baque, mas é preciso estar atento e forte, filhote. Suicídio é deixar problemas se acumularem. É ficar sem se comunicar, sem gritar socorro. Talvez por isso eu grite tanto. Tenho medo de sucumbir à falta da química humana e deixar a alma viajar. Ela quer ir embora sempre dessa prisão que chamamos corpo físico. Meu avô, eu menina, era um homem forte, montava cavalo, estava sempre envolvido com trabalho da fazenda, mas tinha uns pequenos mimos que me deixava muito feliz: lembro dele sempre comprando melancia e dizendo que ela era nossa, minha e dele. Eu devia ser já uma 'magali do Maurício de Souza', com relação a melancia. Meu avô gostava de jogar buraco e quando eu era a parceira dele, nós sempre ganhávamos. Joãozinho tinha fama de avarento, mas não deixava faltar nada em casa, e sempre socorria os filhos, principalmente os que eram desorganizados financeiramente, como meu pai e tio Zelito. Mas o que eu mais percebia nele era uma certa impaciência com minha avó. Aquele foi o primeiro casamento que vi, em que não havia harmonia. Dos meus tios, Nivaldo era o mais querido. Meu padrinho. Não era de carinho. Era de apoio material. Era de palavras poucas. Mas sempre nos recebia com todo cuidado e atenção, nós, os sobrinhos do interior (nois era jeca). A família de meu tio, tia Lícia, Nícia e Neto, uns queridos sempre. Primos de querer ficar perto todo tempo, porque o tempo, pra menino, é um monstro ingrato. Demorava tanto pra chegar as férias... elas voavam quando estávamos em Salvador ou no Conde. Tio Zelito, duas breves passagens apenas. A que mais lembro, eu na rua, aos 9 anos, caminhando com ele, que pegava em minha mão, me perguntando da cidade. De presente me deu uma correntinha de bijuteria, com um coração que abria. Tem algo que menina goste mais que caixinhas e objetos que podem guardar coisas dentro? foi naquele coração de bijux que coloquei a foto de Charles, a primeira paixão adolescente. Quando a paixão acabou, aos 14, o coração não tinha mais cor... Mas o que ficou mesmo sem cor foi que Tio Zelito se suicidou. E a referência dos suicídios começou aí. Pouco mais de uma década depois, foi Tio Nivaldo. Um choque. A vida se fragilizava diante dos problemas, diante da depressão... até eu compreender que pode ter genética e química envolvida nisso, eu achava uma coisa tão egoísta, esse tal de final com próprias mãos. Por fim, tio Tourinho, marido de Tia Nydia, que era talvez o tio de maior referência. Nem era sangue, mas era o tio que eu mais convivi. Homem tranquilo. Conversava pouco comigo quando eu era menina, mas lembro da conversa sobre lavar as mãos quando chegava da rua (ele não fazia nada se não lavasse, até beijar os filhos, coisa que eu estranhava, porque meu pai primeiro nos beijava, para depois lavar as mãos). Vi que tio Tourinho estava certo. Depois me contou sobre os problemas que dava ao conviver tocando bichinhos todo tempo (ele era um cirurgião veterinário renomado, professor da UFBA) e eu nunca mais deixei um cachorrinho, mesmo limpinho, perto da minha cama ou de minhas coisas pessoais. Já mocinha, eu via tio Tourinho convivendo com tia Nydia, sempre com tanto carinho, respeito, um companheirismo que eu admirava. Era assim que eu desejava um casamento. Como o deles. Quando ele se foi, em um suicídio estúpido, eu já sabia das questões de química a menos no organismo e ficou fácil perdoar. Meu tio estava sofrendo. E está em minhas orações, para que sua essência esteja se recuperando. Tia Nydia, outra fortaleza, fruto da convivência com Nira, é a minha madrinha. Desde sempre conto com ela pra tudo, apesar de aprender com ela e com minha mãe, que não se deve ser fardo para ninguém. Então importuno menos que posso, mesmo sabendo que posso contar sempre. Dinha hoje, para mim, é a matriarca dos Lins. Carrega suas dores como quem carrega o mundo. Mas viaja, sabe tirar as compensações dessa vida difícil. Tenho aprendido sempre com ela. Da minha mãe, filha única, as referências eram minha avó e bisavó. Hilda e Antonia. Hilda era triste. Não era de abraços. Não era de conversa. Era de dar presentes, mesmo sem poder. Como me dava presentes, aquela avó. Morreu nova, aos 64 anos. Foi dormir e não acordou. Sofria do coração e nem sabia. Antonia, minha bisa, mulher pequena, falava baixo, educada e simples. Tinha sempre lições na ponta da língua. Espírita desde sempre. Não tinha uma casa para ela. Vivia com os filhos. Por isso sempre viajava, indo de uma casa pra outra. Morreu aos 80. Já o pai de minha mãe, devo ter visto umas seis vezes, sempre em visitas rápidas, morava no Rio de Janeiro, e vinha visitar seus parentes na Bahia. Mas lá em casa era visita de médico. Vovô Josaphat é o antepassado que não tenho nenhuma referência. Sei que era educado e carinhoso com minha mãe, mas todo mundo que nos visita é assim, não é? Arthur, referências... é bom saber de onde viemos... Agora você sabe. Eu, tendo vivido mais de 40, penso que cheguei na metade, se bala, trânsito ou doença não me atingirem. Daqui em diante, tenho percebido, sou um misto da minha vida com a de todos eles que estão relembrados aqui. Sempre paro e fico relembrando minha convivência com um deles. E me pego reavaliando o que pensava ao longo dos anos. Reescrevendo. A memória nos trai e lembro apenas cenas não o fato todo, esqueço detalhes, revejo imagens do que ficou, um ou outro aspecto, uma ou outra característica. Peço desculpas a cada um desses meus antepassados, meus antecessores, porque teve momentos em que não dei a devida atenção que eles mereciam, queriam, desejavam e esperavam de mim (a juventude só enxerga o próprio umbigo). E agora, que muitos se foram e estou envelhecendo, vejo que serei tratada da mesma forma. Já não vejo sobrinhos, quando estou perto deles não há muito o que falar. E até você, meu filhote, eu sei, fará escolhas, onde eu estarei, muitas vezes, na última das opções. Enxergamos mães como pessoas que tem obrigação conosco, e muitas vezes deixamos de ver a pessoa que está ali. Como hoje vejo o quanto Mara deixou de viver por mim, JR e Marcelo. Não falei deles aqui porque há uma postagem sobre cada um, e você os conhece, são maravilhosos. Mas hoje, cheguei a uma conclusão e precisava compartilhar. Aprendi mais com as mulheres da minha família do que com os homens. Eles me ensinaram lições meio tortas. Elas não, são retas. Mas penso que retas demais. Quero ficar nas curvas dos dois lados, em trechos retos e outros nem tanto, me permitindo errar e me perdoar. E perdoar a todos que estão à minha volta, exigindo menos de quem humano é e encarnado está. Se perfeito fosse, não estaria aqui. Apenas espírito seria. Estamos aqui porque erramos e somos pequenos, meu filhote amado... Então, perdoe a mamãe. Eu, antes de ser mãe, estou humana, viu? Grande beijo sempre. E vamos esperar você crescer, um dia ler tudo isso, e risadas iremos dar. Te amo

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Medicina que intimida

Ontem vivi uma experiência diferente. Fui fazer uma core biopsy monitorada por mamografia (um processo que retira pedacinhos do tecido da mama para teste que diagnostica câncer), por conta de uma área suspeita. Confesso que a gente fica temerosa com esses assuntos, mas fui confiante, até ver o ambiente e a forma do exame. Fui recebida em uma sala gelada, com aviso na porta que era local com aparelho de radiação mas nem prestei muita atenção. Uma equipe com três mocinhas (enfermeira e técnicas) e um médico me aguardavam. Uma delas pediu que eu tirasse blusa e sutian e deitasse de bruços na maca, com meu peito direito enfiado em um buraco, que seria olhado por baixo pelo médico e por um aparelho de ultrassom (monitorado por uma das moças). Deitei e fui dar uma 'endireitadinha' no corpo para ficar mais confortável e logo o médico se manifestou, pedindo que eu não me movesse mais. Meu peito ficou preso entre duas peças do aparelho (como em uma mamografia) e eu me vi numa tensão como em poucas vezes na vida. A conversa era de linguagem técnica, procurando o quadrante onde haveria os disparos, números... ok ok, não dá pra entender muito. A maca foi movida, subiu e o médico ficou embaixo e logo senti anestesia e pequenas perfurações com som de pistola a vácuo (a pistola de punção), que retira pedacinhos de nódulos suspeitos. Não deve ter durado mais que meia hora tudo, com curativo ao final. Mas que meia hora tensa. Eu me arrependi de não ter procurado saber mais sobre tal exame e antecipadamente, saber o que me aguardava. Há alguns meses foi uma ressonância de joelhos que me deixou com sensação estranha também. A medicina avança e lidar com máquinas e exames diferentes serão uma constância, mas me intimida essas experiências. Ficou a lição: buscar informações e ver videos que antecipem os procedimentos, assim talvez a tensão diminua na próxima.