domingo, 12 de agosto de 2012

Vivo em mim

Tem coisa que a gente nem deveria lembrar, mas ela se impõe, como algo difícil de esquecer. Hoje, segundo domingo do mês de agosto do ano de 2012, eu lembrei da última noite de meu pai. Foi no hospital, em 18 de janeiro de 2007. Sabíamos que ele estava em estado terminal. Eu escolhi ficar só com ele. Ele entrou em crise, estava com cirrose e sabíamos que quando ele começasse a vomitar sangue, o tempo seria contado de forma retroativa. Então eu sabia que todo o tempo era curto a partir dali. Em hospital público, fui eu quem aparou os vômitos, quem limpou e segurou meu pai nas vezes em que ele quis ir ao sanitário. Eu via as suas forças indo embora. Eu e ele sabíamos que ele vomitava o seu próprio fígado, num processo rápido de desidratação, de definhamento. 
Então eu falava a ele, todo o tempo, do quanto eu o amava, do quanto ele foi importante, contei segredos meus e de meus irmãos, contei coisas que tinha vivido longe dele e que por falta de tempo, tinham ficado no esquecimento. Falei do quanto era difícil estar ali, vendo ele definhando, do quanto eu estava triste. Falei que, quando ele pudesse, quando se recuperasse na espiritualidade, que viesse se comunicar comigo, para que eu tivesse a certeza da continuidade... 
Acho que foi a noite mais longa da minha vida e o momento em que mais falei bobagens. Mas acho que eu precisava pensar que estava aproveitando todos os minutos. E pela manhã, as 9h, mesmo vendo o meu pai já totalmente quieto, com a pele muito desidratada, eu disse que ia tomar um banho e voltava logo, e ele apertou a minha mão, já sem força para falar. E só esperou eu sair de perto, para ir embora de vez. Uma hora depois eu voltava ao hospital para vestir o meu pai, já morto. Acho que o meu pai pensou em mim, no último momento, como quem me protege, até o último suspiro. Para que eu não visse o momento final. Hoje, quando todos comemoram o dia dos pais, eu lembrei que o meu estimado pai continua vivo dentro de mim...