domingo, 16 de outubro de 2011

Preenchendo páginas na Festa do Livro

A Festa Literária Internacional de Cachoeira foi um presente ao Recôncavo e para mim. Fiquei apenas dois dias, mas foi um tempo que não se conta em horas... Palestras interessantes, como a que acompanhei no sábado, sobre o fetiche do livro eletrônico, com os pesquisadores Bob Stein (que estuda as publicações eletrônicas nos EUA e Inglaterra, desde os anos 80), Fábio Fernandes (escritor, roteirista e professor da PUC, que estuda novas mídias) e André Lemos (professor da UFBA, especialista em cybercultura e moderador da mesa), que deram um apanhado sobre o livro, enquanto conteúdo, desde os papiros, em rolos, passando pelo codex que resultou na materialidade do formato retangular, tomado de folhas, que conhecemos até hoje, e que, já no seu surgimento, foi uma tecnologia maravilhosa, porque as pessoas ficaram livres de enrolar pergaminhos e rolos e passaram a ter o conteúdo em páginas que podiam ser manipuladas de forma mais fácil. E nesse contexto, o ebook é apenas mais um formato. O conteúdo é o que conta. Mas claro que carregar uma pilha de livros é bem diferente que carregar um mundo de arquivos eletrônicos... Também falaram desse novo leitor, que mesmo numa tela, já pode deitar e se acomodar como quiser, trazendo seus vínculos de leitura com o livro tradicional para o ebook.
E eles não tem dúvida que a facilidade de andar por aí com uma biblioteca virtual à reboque num pendrive, vai mudar a relação que temos com os livros. Pensei logo nos meus livros de fotografia e de poesia, maravilhosos, que coleciono e uso como objetos de arte na minha sala. Livro bom não emprestamos, mas com o ebook o intercâmbio será maior. Até fiz uma intervenção quando a voz foi dada ao público. Questionei sobre essas mochilas pesadas que nossas crianças usam, cheias de livros que nos custaram o 'olhodacara!' e sobre o interesse do mercado em ebooks didáticos para nossas crianças (cada pai compra um tablet e a criança fica livre do peso) e o governo investe nos tablets ao invés de computadores monstros e ultrapassados. Talvez seja só um sonho meu, ou delírio, mas seria ótimo ver meu Arthur sem aquela mochila mais pesada que ele. Além desses exercícios ao cérebro, a FLICA estava rica em eventos culturais. Vários stands foram montados com livros expostos, havia contadores de histórias na praça da Aclamação, e shows e festas.
Fiquei imaginando a alegria do meu poeta Damário Dacruz, seja lá em que céu ele estiver ( o dele tem sorveja e declamações)... teve uma mesa homenageando o poeta de Cachoeira. Sua essência estava na Flica e no Pouso, sempre cheio de gente bonita e momentos mágicos. Novamente pensei no quanto devemos arriscar sempre. Para isso estamos humanos. Vi o Samba de Roda Suerdick, da linda e reconhecida Dona Dalva, patrimônio de Cachoeira e suas moças e rapazes, meninos e meninas, todos tão bonitos e talentosos. Foi um encanto!
E no Michel, meu amado polonês, que é dono do Sebo Café com Arte, que tem o melhor café com conhaque e um sandwuiche maravilhoso de ricota com tomates, assisti a um show de jazz com direito a improvisos magistrais de quem estava no local e domina instrumentos.
No sábado foi a vez do Percursivo Mundo Novo, com um trabalho de pesquisa e mixagem de dar água na boca e fazer o corpo todo remexer. Os rapazes ( e que rapazes... puro colírio!) misturam sons e efeitos de controles de videogame, ipads e sensores laser, com ritmos brasileiros e dão novas roupagens a velhas canções além de trazerem elementos percussivos instigantes ao palco.
Os tambores dos moços ressoam em nosso coração e em todas as caixas que temos pelo corpo... sentia partes vibrarem durante a apresentação e TEREZA, guitarra eletrônica do Mikael, é uma onda... sonora e espetacular. Ah, e o Mikael é um doce, super acessível, fui no camarim e conheci o moço de perto. Muito centrado no que faz, tem futuro. E pra fechar meu sábado, vi DJ Sankofa (que sou fã desde o Fela day do ano passado, no Africanbar no Pelourinho), desta vez no Balneário. O Fela day acontece no mundo todo e é uma homenagem a Fela Kuti, um multi-instrumentista nigeriano, pioneiro da música afrobeat, ativista político e dos direitos humanos. As músicas dance com batida africana, confesso, me dá um troço por dentro que me impede de ficar só olhando... é preciso requebrar. Coisa visceral de africanidade ancestral... viemos mesmo da África.
E sabe o que ainda aconteceu na FLICA? Fiquei mais rica... reencontrei Yolanda, que não via desde que Arthur estava pequenino, há uns seis anos. E ficamos horas nos curtindo, como pessoas que se admiram se curtem, contando da vida, dos problemas e como os superamos, das alegrias e de como estamos em eterna mutação.
E a Flica me possibitou contatos maravilhosos, como o de Antonio Pastori, documentarista, que já conhecia o Oficina de Textos e comentado nosso trabalho. Estamos prevendo parcerias. E a Maria Prado, que é atriz, e adora estar inserida em projetos de audiovisuais. Também visualizei projetos com ela. E Ricardo Freitas, antes colega da UESC e agora em Salvador, na UNEB, que espero retomar a amizade. E por fim, o Fábio Fernandes... lembra, um dos moços da palestra? Pois é, em frente a um isopor de cerveja, lembrou da minha intervenção, iniciamos um papo 22h, que terminou 04 da manhã, com o tempo a menos de uma hora por conta do horário de verão, e um tempo a mais que só se acha nas boas conversas que rendem... Penso que foi um encontro de almas. Porque se sentir tão em casa como meu espírito se sentiu, conversando, dançando, traçando um cachorro quente... não é para amizades novas, é para reencontros espirituais que só esse povo de santo explica.
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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nós superamos as barreiras

Hoje eu e minha mãe somos grandes amigas. Cúmplices. Íntimas. Confiamos uma na outra e contamos tudo o que nos vai na alma. Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo ela foi a figura repressora. Só sabia me condenar quando eu revelava algo que não condizia com a maneira que ela achava correta, para uma mulher pensar ou fazer.
Foi assim quando eu decidi ir para Cuiabá, para estudar e também para viver um grande amor. Eu tinha dois empregos, tinha iniciado dois cursos de faculdades... como assim, ir para viver um grande amor? Eu não tinha 'juízo'? 
Ela nunca entendeu porque eu não queria casar. E ouvi por muitos anos o discurso da necessidade de ter filhos quando eu afirmava de que eu não teria. 
E ela se angustiava quando eu largava um bom emprego, 'só' porque não gostava do ambiente de trabalho??!! (larguei vários). 
E quando eu decidi ter um filho sem casar na igreja com o pai do bebê (que era moço honesto e queria casar na igreja e constituir uma família)... eu continuava 'sem juízo'. 
Como eu largo a vida de repórter para ser mãe no máximo de tempo que eu poderia? 

É, eu não era igual a ela. Não buscava estar nos padrões. E isso, de alguma maneira, era uma barreira. Ontem reclamei com ela a falta do toque durante a infância. Não lembro de abraços calorosos e brincadeiras de toque entre ela, eu e meus irmãos. Lembro que eu dormia no sofá, só esperando a hora de meu pai me pegar no colo e me levar para minha cama e me colocar embaixo dos lençóis com dengo e beijinho. 
Não lembro de nenhuma cena onde ela tenha feito isso. Era um beijo frio, o dela, em algumas poucas ocasiões. Ela diz que sempre me deu beijo quando saía e nos deixava em casa. Ou nas ocasiões especiais (aniversário, natal, etc.). Não ficou em minha memória esse beijo formal. 

Eu beijo Arthur toda hora, todo dia, acordo meu filhote com beijos no pescoço, no 'subaco', nas costas, nos pés. Rolo com ele, como se eu fosse aquela criança que fez pouco isso com sua própria mãe. 

Porque isso me lembra o pouco toque que tenho com ela. Ontem ela me contou que sua mãe não a beijava. Que ela sempre ficava esperando o beijo, e ele nunca vinha. Ficou frustrada diversas vezes por não ter com minha avó uma relação de toque. 

Ontem falamos também de como nossa relação foi mudando ao longo dos últimos anos. De como fomos nos tornando íntimas. De como ela se escandalizava comigo, mas de como também foi percebendo em mim o quanto eu era livre e do quanto fui vanguarda para ela. E que essa minha maneira de ser que tanto a deixava confusa, porque percebia que no final eu tinha feito a melhor escolha sempre, também a deixava livre para ela ser quem ela quissesse. Fiquei feliz dela perceber que não estou aqui para julgá-la, para condená-la. Ao contrário. Eu a quero feliz. 
 Acho que era isso que fazia com que eu e Áquila fóssemos tão amigos. Meu pai não me julgava. Ele me ouvia, analisava, aconselhava, mas em nenhum momento ele tinha uma palavra de condenação ou crítica. Por outro lado ela sempre foi uma guerreira. 
Meu pai não era um bom marido. Era chato, exigente, ciumento, não queria que ela trabalhasse nem estudasse. E com a bebida e o jogo, na minha adolescência, foi se tornando um homem frustrado e amargo, e trazia para o relacionamento deles essas frustrações. Ela voltou a estudar, começou a trabalhar, passou a sustentar a casa e nos prover com bens materiais, e ser nosso exemplo de superação. E se em minha cabeça de filha eu tinha essa mãe que me condenava, tinha também uma mulher exemplar, alguém para me espelhar, para ser meu ídolo, mulher forte e batalhadora. Talvez por isso nunca tenha desistido de ser amiga dela. E mesmo recebendo crítica eu contava pra ela o que me ia na alma, ainda que ela não entendesse. 
Disse a ela ontem que pra mim, ela evoluiu tanto. Quando vejo uma nova mulher que sai pra se divertir, arrumou namorado depois de 23 anos de solteirisse convicta. Que hoje se enfeita, se cuida e quase não se queixa de dores, doenças (antes era hipocondríaca). Hoje tenho uma mãe que me apoia em tudo e me vê apenas como uma mulher que tenta ser feliz. Que procura o bem estar dela, sem se preocupar com o que os outros vão achar, vejo-a parecida comigo. 
Quando já não me oferece apenas a palavra crítica e sim, o apoio e damos risada juntas de nossos equívocos, escolhas, caminhos... Fiz fotos dela. E pedi que risse, que se soltasse, que deixasse a menina aparecer. Que acordasse seu ser sensual, que viva intensamente... e vejo essa mulher linda, que admiro cada vez mais, que quero levar como exemplo para uma neta, se um dia tiver. E sinto essa alma amiga, que conquistei nesta reencarnação e que devo ter na família espiritual para todo o sempre... que assim seja!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

No mar de sofás e possibilidades interativas

O Gio me apresentou o Couchsurfing e já no primeiro momento gostei da proposta, me cadastrei, paguei os quase treze dólares de associação com certificação e, na mesma noite, lá fui eu para um encontro de parte (pequena) da comunidade Salvador da Bahia do CS. O lugar do encontro não poderia ser melhor: Bar Mercado. Um lugar aconchegante na Barra, que por si só valeria um post, mas deixo apenas as fotos para dar água na boca e a sugestão do pastel gigante de camarão...
Voltemos ao CS, um conceito de surfar o 'sofá' e assim conhecer o mundo se hospedando de forma aconchegante e com custo baixo. A comunidade imensa do site se divide em comunidades menores, de pessoas que se conhecem e colocam as referências umas das outras e isso faz toda a diferença, porque quando um desconhecido do CS pede abrigo a você, há como checar se ele tem pessoas que já o hospedaram, se o conhecem de verdade e se podem atestar que aquela pessoa é de confiança a ponto de você abrigá-la em sua casa. Quando você paga a adesão de certificação, com os quase 13 dólares, entrega os dados de seu cartão para confirmar sua existência real. E eles entregam um password pelo correio, para que seu endereço postal seja certificado também. Bem bolado! e o melhor, o pessoal reunido ontem me deu um gostinho mágico de que agora posso ter um grupo social em Salvador. Teve música, bate-papo, fotos. Conheci gente de países diferentes (Colômbia, Itália, Portugal, Holanda, Angola) e de estados diversos (PE, RS, GO)... e para minha surpresa, Wille, parceiro do Link e já couchsurfer lá em casa e eu na casa dele quando estou em Cachoeira, estava lá no boteco, integradíssimo ao grupo. Hoje tem sessão de cinema, com discussão de propostas de atividades culturais. No sábado tem churrasco aqui pertinho de casa e no domingo tem um caruru. Eles fazem passeios de bike e abraços em locais públicos... a agenda vai ficar boa, acredito! Pena que eu já tinha programado mil coisas para este final de semana (com minha mãe e minha avó na cidade). Mas o que senti é o espírito acolhedor e agregador da comunidade e isso é um diferencial para quem participa.

sábado, 1 de outubro de 2011

Sou 'moça do Caritó'

Meu menino, de 8 anos ainda, disse-me com voz séria dia desses: 'mãe, você namorou Wilson antes de meu pai, depois meu pai, depois Murilo. Você não é como o meu pai, que só teve tia Lia depois de você e vai casar '. Aí tive que explicar para aquele rapazinho que me julgava incapaz de casar, porque sou 'Moça do Caritó'. 
Caritó, para quem não sabe, é a pequena prateleira no alto da parede, ou nicho nas casas de taipa, onde as mulheres escondem fora do alcance das crianças, o carretel de linha, o pente, aquilo que não se alcança. 
Moças do Caritó se diz das solteironas, antes por falta de opção, por não serem notadas, por terem pais exigentes que não as deixavam ser vistas, que não tinham atrativos... enfim, eram muitos os motivos que podiam deixar uma moça no Caritó. 
 Eu nunca fui de ficar numa prateleira.
 Tive namorados que duraram muito. E tive conversas sobre casamento, inclusive com o pai de meu pequeno, usei aliança de noivado. Mas eu sou fruto de uma geração que viu pai ser servido o tempo todo por uma mãe que tinha tripla jornada. Meu pai, por muito tempo, foi o provedor, e isso lhe dava o direito de reclamar se a casa estivesse com algo que não concordasse. Depois, convivendo com amigas casadas, vi reclamarem de tampas de vaso com pingos de xixi, cuecas espalhadas e casas que tinham dono e senhor. Como desde muito cedo (16 anos), eu já trabalhava e tinha o meu dinheiro e aos 25 já tinha minha primeira casa própria, eu sempre acreditei que dominaria o meu castelo, sem a necessidade de homem para mantê-lo. Sem contar que eu tenho os meus dias de caverna, onde eu não quero ver ninguém e isso inclui namorado e afins... 
 De modos que eu não acredito nesse casamento tradicional. Essa fórmula que me apresentam nunca me pareceu mágica para durar muito tempo ou manter a magia de relações que tendem a se desgastar. Por isso sempre esfriei com baldes de gelo aqueles que me chamaram para casar. E como explicar isso a um guri de 8 anos que quer me por nos moldes das tias e da madrasta? que tem em suas referências um monte de mulheres acompanhadas de seus maridos? Contei o episódio a meus irmãos e foram unânimes: estou passando a imagem de uma mulher diferente, talvez 'des-referenciada' para o meu filho. Por isso dialogar é muito importante. Ele precisa compreender que casamento não é uma instituição obrigatória para as pessoas. É opcional. 
Caritó, no meu caso, é uma casa só minha, onde recebo quem quero e a hora que quero, com direito a vaso sem pingos de xixi, sem cuecas espalhadas e onde um homem entra sabendo que ali tem uma dona e senhora. 
 "Deveríamos estar sempre apaixonados. É por isto que jamais deveríamos nos casar." Oscar Wilde