domingo, 29 de novembro de 2009

O tempo de cada um

Hoje fui tomar café com minha avó (fará 94 anos em março). Conversávamos, eu, ela e minha tia. Minha avó estava com um bordado na mão. Ela não sabe ficar queita, mas por alguns momentos, quando a conversa não a incluía, pois falávamos de educação e universidades, vi que minha avozinha cochilou, os olhos fechados e a pele do rosto relaxada. Lembrei de um bebê que adormece facilmente. Depois ela abriu os olhinhos e eu lhe disse: vó, seus olhos estão fechadinhos, menores, a pálpebra está tomando conta deles. Ela deu um sorriso doce e disse que se fossem só os olhos, era bom, mas todo o corpo tá diferente, mais sono, o corpo mais lento, as pernas que não obedecem

Ela então me disse que tinha vindo a Salvador apenas para tirar nova carteira de identidade, pois a antiga estava com 60 anos. Contou-me que não gostou da foto, toda enrrugada, e que já não reconhece o próprio rosto. Eu lhe disse que era assim mesmo, ação do tempo. 

Com os olhos lacrimejados ela me disse: 'minha filha, meu tempo já deu. Eu já tô passando do tempo de morrer'. E eu, como que intuindo um pensamento que não controlei, só lhe disse: vó, a senhora já se perguntou por que tá 'durando' tanto?, o que ainda precisa aprender? a senhora sempre foi tão independente, tão dona da própria vida, já se perguntou porque está vivendo tanto, perdendo os movimentos e dependendo de outras pessoas para tanta coisa? 

Lembro de minha avó, eu menina, ela andando só para tudo quanto é lado, viajando para nos visitar no sul da bahia, indo a São Paulo  e Rio de Janeiro sozinha, ou bordando, cuidando de alguém, sempre tão útil, tão produtiva, mas lembro também dela, orgulhosa, não aceitou a gravidez adolescente de uma prima, criticando pessoas que erravam, era autoritária, enfim... 

Nós, os netos, tínhamos um certo medo da minha avó. Das suas broncas, de seu jeito duro. Vi quatro tios morrerem, seus filhos, todos em situação complicada (AVC aos 33, tio Waldir, seu filho mais novo, o suicídio de tio Zelito, antes dos 50, depois o suicídio de tio Niva, também antes dos 50, a  cirrose de meu pai). 

A vida machucou mas ensinou muito a minha avó e pelo tempo que ela já dura, deve estar ensinando ainda. Eu, de cá, fico observando o processo de envelhecimento dela, um lindo processo, ela é tão ativa ainda, borda, cozinha e agrada a todo mundo. Rezo pela sua saúde e acho que o tempo dela é de ainda nos fazer feliz...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A ave do Paraíso

Tá, completei cinco. Seguindo a tradição (ou seria superstição?), fechei o ciclo de tatoo, pelo menos desse período e ainda revitalizei as antigas.
Eu, até meus 30 anos, tinha preconceito sobre tatuagens. Fiz a estrelinha no pé, escondida e pequena. E o preconceito lá...
Há uma hipótese de que o homem das cavernas, ao ter marcas involuntárias adquiridas em guerras, lutas corporais e caças, passava a ter o reconhecimento do grupo. Partindo da ideia de que marcas na pele seriam sinônimos de diferenciação e status, o ser humano passou a fazer as suas marcas voluntariamente, ferindo o próprio corpo, e com o passar do tempo, essas marcas foram substituídas por desenhos onde se utilizava tintas vegetais e espinhos para introduzi-las à pele. Os mais diversos povos começaram a usar pinturas definitivas por motivos espirituais, em rituais de várias espécies e fins, para a guerra, para marcar os fatos da vida biológica: nascimento, puberdade, reprodução. Mas houve ainda quem tatuassem o outro como forma de desmerecimento.
Eu devo ter sido prisioneira, escrava ou adúltera numa vida passada, talvez tatuada para revelar meus erros, ou apenas para demarcar que era propriedade de alguém, porque sempre tive preconceito de marcas no corpo.
Eu até deixei de namorar meninos tatuados e quando, Binho, meu namoradinho há quase dois anos, apareceu tatuado, foi um desespero. Meu pai deixou de falar com ele e eu fiquei triste com aquela imagem que não desgrudava do peito do moço. Era uma sereia com asas. Achei precipitado aquele jovem bonito, tão jovem, já marcado.
Não demorou e meu irmão Marcelão fez um dragão no braço. Era horroroso! (ele transformou em sereia anos depois). Ah, meu pai quase teve um infarte com o dragão, minha mãe lamentou e eu, mais uma vez, fiquei triste por ele, ainda aos 17, 'dragoado' até a alma!
Vida que segue. Não namorei mais ninguém tatoado. Wil  e Cris  tinham corpos limpinhos. Eu nem pensava em me tatuar.
Quando Arthur nasceu, não sei, acho que revi muitos conceitos. Um deles foi sobre marcas. Eu queria a marca que dissesse ao mundo que eu agora me sentia brilhar. Queria dizer que me sentia guia para alguém e fiz a estrela.
No ínicio dos 30 anos, mais duas: a marca da felicidade, simbolizando que mesmo triste eu teria a felicidade em mim e a fada, que significa que basta acreditar e tudo se realiza.
Agora a frase forte sobre não se importar com coisas menores e para completar, uma ave do paraíso. É que adoro voar, e cantar e isso me leva ao paraíso.

Bom, sei que com a idade minhas tatuagens vão despencar. Já imagino o pássaro todo tortinho ou a frase com letras garranchudas (rs).
Mas curto-as tanto, sinto como partes de mim, e elas me lembram todo o tempo que felicidade, luz, desejos realizados, evolução e paraíso só dependem de minha postura diante da vida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Unidiversidade é isso

Gosto do clima de uma Universidade, quando ela se liberta dos muros, extrapola e penetra no cotidiano, desensala, desaula e deságua na criatividade e interatividade. A Foto-instalação do Galeria Recôncavo foi tudo isso. Gente apreciando foto, se deixando fotografar



música no ar... E uma certeza de produção acadêmica que revela o empírico, no espírito livre da lente universal e diversa. Foi unidiversidade. Preciso fazer mais isso.


Seguiremos com a foto-instalação para muitos lugares...

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Estética afirmativa... e três noites sem dormir

Como dói minha cabeça. Meus cabelos foram tão esticados, o couro cabeludo se rebelou, inchado, já tem pequenas erupções, sinal do quanto está machucado.
Meu pescoço está duro, teso, frente ao torturante peso extra.
e no calor de Cruz e Cachoeira, toda essa cabeleira fica amarrada.
Já olho para as meninas de trancinhas com pesar. Que estética é esta que as faz sofrer tanto?
Já estou na terceira cartela de sedativo. Continuo dormindo mal, não tem como relaxar com tantas tranças e dreads repuxando a carne. O tempo limite de minha paciência se esgota. Com uma tesoura já cortei parte do aplique.


Sexta-feira, finalizada a foto-instalação, vou reavaliar a minha vontade, mas agora eu só queria dormir sem nada preso ao cabelo.
Eu tenho hora marcada para voltar a ficar quase careca. Meu cabelo curto é muito prático e me dá a liberdade que preciso para a correria do dia a dia.

sábado, 14 de novembro de 2009

Eu sou neguinha

Meu cabelo é liso quando curto e tem cachos grandes quando abaixo do ombro. Eu sempre quis alterar esta estética por algum tempo. Hoje eu consegui.

Fiquei exatas oito horas em um salão para colocar dreads e tranças. A dor me toma todo o couro cabeludo neste momento. Dói até quando balanço a cabeça e estou sob efeito de sedativos. Eu não imaginava o quanto as pessoas de cabelos crespos que querem usar tais acessórios, sofrem. Diz a artista que fez minha cabeça (a bela Ariane), que em dois dias tudo passará e só ficará essa nova imagem por pouco mais de um mês. Queria que durasse até o revellion.
Como o cabelo cresce rápido, folgará e não sentirei mais dores, mas os fios lisos vão deixar as tranças muito soltas e o conjunto ficará sem harmonia.
Andei pelo shopping me sentindo estranha, um cabelo que não me pretence, uma imagem construída artificialmente. Mas gosto do que vejo, só preciso me acostumar.
Dia 20 faremos a exposição Retratos do Cotidianos (na Galeria Recôncavo). Vou estar mais neguinha neste dia. Consciência do meu pé na senzala, da mistura de cores, herança da minha avó materna. Hilda tinha cabelos crespos      



sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Aquila non captat muscas

O exército romano, quando da conquista de boa parte do mundo antigo, utilizava um provérbio para fortalecer sua meta: "Áquila non captat muscas" A águia voa tão alto, que não se presta a capturar mosquitos. O sentido era não se abater por coisas pequenas, não sair da meta por conta de problemas nem dificuldades... temos em todos nós a águia, o nosso lado racional. E neste ponto, o provérbio se refere àquela pessoa que, sabendo que está em processo de evolução, precisa olhar para longe, para o alto e ignorar tudo o que incomoda e atrase na viagem rumo ao destino maior: evoluir sempre.
Um dia Gomach me mostrou essa frase. Confesso que mesmo sem saber o significado, ela me encantou. Meu pai, Aquilino, sempre foi chamado por mim de "Áquila". E quando soube então do seu significado, foi identificação imediata.
Então prometi que carregaria comigo esse provérbio. Assim como carrego a felicidade em Chinês, a fada borboleta (que tudo realiza), e a estrela que guia e ilumina meus passos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Aquila non captat muscas II

Lá se iam três anos no meu ambiente profissional e eu não tinha encontrado nenhum amigo entre os pares da minha área. Já tinha uns poucos amigos, mas de outras áreas e, se por um lado era muito bom, porque sempre que nos reuníamos nunca falávamos de trabalhos específicos, por outro lado eu me sentia órfã, sem companheiros para pensar projetos e ações conjuntas. Quando ele chegou, pensei que era a resposta às minhas angústias. E realmente era. Ações, projetos, conversas sobre a mesma temática. Fiquei encantada. E logo pensei que estávamos construindo uma amizade. E pela minha disposição, uma amizade que duraria anos, afinal, temos muitas afinidades. 
Mas um dia, do nada, eu me senti ferida pelo meu amigo e parecia que um castelo estava ruindo. O ato em si era insignificante: uma palavra áspera, a acusação oculta, a desconsideração pública, que acabou resolvida em pouco mais de 24 horas. E o que são 24 horas numa relação que deve durar anos? Aquila non captat muscas. Vida que segue, continuamos fazendo as mesmas ações. Agora talvez muito mais profissionais que antes.
 A desconstrução de um padrão de amizade estava estabelecida. O castelo realmente ruiu, porque era de areia, como todas as relações que temos em nosso ambiente profissional. Competitivo por natureza, este ambiente não se permite construções de amizades carinhosas. O tempo é curto, os projetos são muitos, há um clima de tensão no ar e não há mimos e cuidados com o outro. Fala-se o que quer, do jeito que precisa ser dito. Faz-se o que é necessário, independente do outro estar preparado ou não. A Águia que procure amigos fora da Academia.