domingo, 8 de novembro de 2015

Clandestinas

Fui assistir ao espetáculo Somos Todas Clandestinas, de Maíra Guedes, filha de Indaiara, minha cunhada. Que belo trabalho, de texto, de estética (luz, figurino, cenário, músicas...). Tudo nos põe no clima do conflito que cerca uma menina, uma mocinha ou uma mulher que vivencia um aborto.
A fotografia acima é da platéia em contra-luz, Maíra segue para o fundo do palco, onde um telão projeta cenas de cidade, trânsito, caos, lixo, confusão...
ela segura cordas que a levam pelo palco.
é uma das cenas mais bonitas.
É um monólogo!
Maíra, jovem atriz formada pela UFBA, já tem uma boa caminhada. Já fez seu mestrado e segue para doutorado. É uma pesquisadora social das artes cênicas. Tem seu dedo no texto e na direção.

Tem seu dedo, e mais um monte de dedos, de um monte de mulheres, porque tudo foi coletivo. Desde a construção do roteiro até a arrecadação dos fundos para a realização.  Maíra e suas amigas criaram um Crowdfunding Clandestinas, um financiamento coletivo, e em três meses, conseguiram montar o espetáculo.

As irmãs dela, Júlia (quem nos brinda com essa foto linda) e Isadora, em apoio incondicional, auxiliando em tudo. E a mãe, essa mulher maravilhosa, a quem admiro muito, foi uma das maiores doadoras do fundo coletivo. 

Sobre o texto, uma explosão de sentimentos, tanto no palco, quanto para quem assiste. 

Vi muitas mulheres e poucos homens na platéia. Mas penso que aquelas frases precisavam ser ouvidas também por homens. Quando um namorado pede para fazer sem camisinha porque é mais gostoso, porque quer 'sentir' a mulher que ama, por dentro, e depois que um feto se consuma, ele some e diz que o problema é só dela... ou ainda quando leis machistas e masculinas, de uma igreja e de um estado eminentemente masculino, impõe à mulher a carga solitária de 'abriu as pernas, engravidou, agora assuma'... esquece que filho não se faz sozinha e o corpo feminino e a mente feminina lhe pertencem, a ela, que precisa tomar decisões rápidas e que pode lhe custar a própria vida.  Mas sim, o recado é também para nós, mulheres: a família muitas vezes apoia o namorado que não assume (mães, tias, irmãs mulheres, acham normal um homem se safar de assumir seu pinto-fazedor-de-bebês).  

Eu nunca fui à favor do aborto. Mas para mim mesma. Sempre achei que se um dia eu engravidasse, mesmo sem querer, eu assumiria. 
Mas meu pensamento sempre foi uma regra interna, minha, e sempre sob a ótica confortável de achar que, se engravidasse, seria de alguém que eu teria afinidade. Nem por alto imaginei um dia engravidar de estupro. Nem nunca me imaginei em situação de impossibilidade de assumir. Então eu sempre tive uma visão distorcida da realidade. 

Hoje eu consigo contemplar o tema sob novas óticas e não acho  justo aborto ser crime. Penso que cada qual cuide de si e faça consigo o que acha melhor.

Tenho algumas amigas que precisaram abortar por uma série de problemas e todas, todas, se sentiram pressionadas, por uma situação de gravidez unilateral (sem apoio do homem e/ou dos pais). E nos poucos relatos que tive delas, a sensação de culpa as perseguia. 

Ver e ouvir o texto de Clandestinas, nos dá a certeza de que a sociedade precisa desculpabilizar a mulher que aborta, urgentemente.

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