Estou 'quase' internada em um grande hospital de referência em cardiologia da América Latina. Acompanhante de um interno, que fez uma cirurgia complexa, eu fiquei impressionada com o atendimento da equipe médica, a competência dos cirurgiões. E só tenho a agradecer o fato do Brasil ter, pelo SUS, a possibilidade de salvar vidas com tanta eficiência. Afinal, como professora universitária, que tem impostos descontados em folha, eu fico contente de ver o meu dinheiro sendo bem usado pelo poder público.
Na página institucional do hospital, que tem vínculo com a USP, está escrito que a instituição 'é reconhecida tanto nacional como internacionalmente, como mostram as citações na imprensa leiga, nas publicações científicas e nas inúmeras participações e comunicações de seus profissionais a congressos nacionais e internacionais'.
Maravilha!!!!
Mas por outro lado, depois de uma semana aqui dentro, estou vendo de perto as incoerências de um lugar como esse.
Comecemos pelo pré-operatório. Imagina uma pessoa aguardando para operar do coração, em uma cirurgia que vai retirar parte da aorta e colocar um tubo, com todas as ligações arteriais possíveis, e, faltando algumas horas para essa cirurgia, com os nervos abalados, chegam três enfermeiras em menos de uma hora e meia, para tirar sangue dessa pessoa? Quem gosta de receber tanta perfuração? porque não apenas uma enfermeira para coletar tudo de uma vez? desorganização? e mais, duas delas ao mesmo tempo, disputando veia e fazendo algumas perfurações e dizendo que o paciente não é bom de veias? quem não é bom? quem deveria acertar? É de dar nos nervos...
Cirurgia efetuada, a pessoa acorda na UTI. Imagine uma madrugada na UTI, escutando duas enfermeiras, ou técnicas em enfermagem, impossível precisar, duas senhoras, falando de namoro, de paquera, de que o namorado de uma delas faz e acontece... e pela manhã, na troca da equipe, entram enfermeiros novos, dois deles, uma mulher e um homem, dançando forró? e um paciente se anima a cantar, e parte da equipe de enfermagem canta com ele. Achou que eu exagero? Não, eu queria que fosse exagero, mas meu companheiro vivenciou isso e depois eu conheci outras pessoas que estavam na UTI e vivenciaram também algumas dessas situações.
Um deles, o Zé Roberto, entubado, com secreções causadas pela introdução do tubo, tossiu, não tinha como se mover e começou a colocar a secreção pela lateral da boca, porque não encontrou ninguém para ajudá-lo e só apareceu um técnico muitos minutos depois para ajudá-lo. A sensação, ele me contou, foi que poderia morrer a qualquer momento, engasgado com secreção e sem nem poder falar por conta do tubo. Também viu show de forró entre a equipe, dias depois, e também um grupo de enfermeiros organizando uma vaquinha para arrecadar dinheiro para o pastel, com direito a ironizar, dizendo que se sobrasse dinheiro, trariam pasteis para os pacientes também... ora, convenhamos, quem, tendo passado por quatro, cinco, seis horas de cirurgia, peito remendado, se sentindo estropiado com tubo na boca, marca-passo, dreno, catéter, tem paciência para esse tipo de comportamento de equipe de enfermagem de um grande hospital?
Então meu companheiro veio para o quarto. Tudo bem mais calmo do que na UTI (que coisa!). Os pacientes ficam em enfermarias com dois leitos e seus respectivos acompanhantes, por sinal, super mal acomodados em cadeiras quebradas.
Mas ainda assim a paz que se sente saindo da UTI é impressionante. Todos que conversei relatam que a UTI é um local complicado. Além dos dois internos que tivemos o prazer de dividir a enfermaria em dias diversos (o Sérgio e sua esposa Leny, depois o Zé Roberto e sua mãe), teve ainda os relatos do Josevelto e sua mulher, a Val, que conhecemos no pré-operatório e de uma mocinha que a mãe pegou infecção generalizada na UTI e já estava há 22 dias nesta unidade.
Então são opiniões de pessoas que passaram por cirurgias cardíacas e estavam extremamente debilitados, fragilizados, inseguros, precisando de tranquilidade e paz e mais da mocinha que passava, há 22 dias, pelo menos uma hora e meia na UTI visitando a mãe.
Bom, nas enfermarias é impressionante como conhecemos, a cada dia, equipes de cinco a dez profissionais diferentes, entre técnicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, médicos... Alguns chegam com tanto cuidado, tanto carinho, com um jeito maravilhoso de lidar com o paciente. Fiquei encantada com os mais novos, gente muito jovem, com um sorriso compreensível no rosto e dando todo tipo de explicação para os procedimentos. Mas também vi, entre técnicos de enfermagem e enfermeiros, pessoas que parecem estar com raiva do mundo e toca o paciente com rispidez, faz e tira um curativo como se estivesse carpindo mato, e acaba machucando sem necessidade, quem está ali tão carente, porque tudo está doendo muito e, mais uma dor, mesmo que de um repuxar no corte, não é apenas mais uma dor, é uma dor desnecessária, causada por um profissional que está ali para aliviar os traumas...
Outra questão que me fez ficar decepcionada foi a higiene do lugar. Depois de cirurgias tão complexas... imagina que os médicos manipulam corações!!! então, uma infecção por aqui, colocaria à perder o trabalho de verdadeiros artistas da medicina.
Pois é, então a assepsia deveria, DEVERIA, ser prioridade, certo?
Ledo engano. Vi cabelo na comida, vi cestos de lixo com mais de 30 horas sem recolher, vi chão sem varrer e sem passar um pano com desinfetante também por mais de 30 horas, vi banheiro que tive nojo dos azulejos e pia que, penso, mais facilita infecção que limpa o que tá sujo...
Será que eu estou observando o que não deveria? será que estou exigindo mais do que um hospital público, de referência cardíaca deveria oferecer?
Eu, como fofoqueira social oficializada por bacharelado (jornalista), não consigo ficar sem registrar isso. E penso, no país da copa 2014, deveria haver também eficiência na saúde, como um todo. Se um hospital referência, na maior cidade do país, é desse jeito, o que pensar dos outros hospitais públicos por aí?
Um comentário:
Sem palavras sobre isso. Só revolta.
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