quarta-feira, 28 de março de 2018

Quando os nossos problemas se apequenam

Uma amiga está com câncer, que cá se diz cancro. De mama. Em novembro ela descobriu a doença. Em alguns dias, entre sentir o caroço, ir ao médico e confirmar o diagnóstico, vi uma pessoa alegre e cheia de atividades temer pela vida e perceber que precisava mudar. E mudou radical, mudou dieta (açúcar e carne vermelha fora do cardápio, inclusão de frutas e muitos legumes, e principalmente, comida sem embutidos, sem refrigerantes, sem doces), tentou diminuir o ritmo de vida na medida do possível (pois trabalhava demais), e mudou a forma de encarar a vida (antes reclamava da vida dura _ porque era mesmo dura) e passou a ter uma atitude de gratidão ao fato de estar viva.
Mas a luta contra a doença é árdua. Vi os cabelos caírem. Vi as sobrancelhas caírem. Vi o astral ter uma pequena queda (ela sempre tão alegre). Não é para menos. Nós mulheres adoramos nossos cabelos. Como ficar sem eles? "é pela vida", diriam os mais racionais. Mas os mais sensíveis hão de reconhecer, não é psicologicamente fácil lidar com determinadas perdas.
Então eu a convidei para um ensaio, mesmo careca, mas bonita, bem maquiada, com roupas e acessórios, para demarcar esse momento. Um momento em que o corpo reage, em que os cabelos se perdem para que a vida ganhe. Abaixo uma das imagens, essa, bem simbólica.



Ela ainda não viu as imagens. Eu e Sandrine estamos a produzir também um documentário sobre esse processo que envolve fé e transformação. Sandrine está na fase da edição e acredito que em breve o doc estará pronto.
Sabe o que mais me surpreendeu em conviver de perto com quem enfrenta um câncer? é que a vida não se resume só à doença. Os outros aspectos estão lá, os mesmos problemas, agigantados.
A minha amiga recebe salário mínimo do trabalho que tem cá. É assistente em uma escola. Com o câncer, foi afastada para o tratamento de quimioterapia e surpresa: o salário veio pela metade. Como assim governo português, como assim? a pessoa doente agora precisava se preocupar com dinheiro para pagar aluguel e comprar comida.
De novembro a fevereiro vi a minha amiga preocupada em como pagar as contas. Ela dá aulas de inglês à noite, sempre trabalhou muito para se manter com dignidade. E mesmo afastada do trabalho diário, multiplicou os bicos para manter-se, mas a quimio debilita (unhas fracas, roxas e doloridas; nariz que sangra; náuseas, fraqueza e enjôos). Vi minha amiga dizer que não estava dormindo bem, as contas se acumulavam.
Então eu e um grupo de amigos começamos a agir. Uma vaquinha, no mês passado, onde quem podia dar 5, 10, 15, 20 euros e assim foi... ajudamos no aluguel. Agora vamos fazer uma ação, um evento. Com música, rifas e alegria. Para somar nessa corrente do bem. Porque a minha amiga vai ainda fazer uma cirurgia. Tirar o tumor, passar um tempo de cama, sem levantar braços, debilitada e já imaginamos o quanto essas contas que não param de chegar lhe consomem o juízo.
Os meus problemas (perna, dores, fisioterapia), tudo ficou pequeno. A vida pede passagem. A amizade também. 

Retorno hoje, dia 12 de abril, para dizer que o evento foi lindo. Cheio de gente disposta a ajudar. E garantimos um valor em rifas que ela vai poder pagar o aluguel deste mês e sobrar um pouco para completar o do próximo mês. Toda essa ação foi muito interessante, pois demonstrou a união do nosso grupo. Seguem fotos:







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