Eu comecei a fotografar na Instamatic do meu pai, ainda menina. E nunca mais parei. Em 1993 eu comprei minha primeira câmera com recursos. Foi quando estava a cursar fotografia I e II na UFMT, em Cuiabá. A professora Kátia nos deixava ficar todo o dia a fotografar, revelar e ampliar nos laboratórios da universidade. A pentax K1000 era nossa companheira. Tirei dez de média. Foi ali que eu percebi a magia da imagem.
Quando eu fui para a UFMS, em Campo Grande, o curso era noturno. Não havia um laboratório como na UFMT, não havia uma professora como a Kátia. E eu senti uma apatia nos meus colegas. Frequentei, como aluna ouvinte, as aulas de fotografia na turma da Daiane, mais adiantada que eu, que era com um professor substituto, publicitário do mercado. E ele não falava nada muito interessante. A metodologia também era bem questionável (ele ficava a mostrar suas próprias fotos e a explicar como as realizou). E depois na minha turma, com outro professor substituto, o Prof. Sérgio, mais preocupado com a didática, percebi que dar aulas na UFMS era uma situação de muitas limitações: sem laboratório e sem livros específicos da área. Sérgio nos levou a laboratórios externos, fez passeios fotográficos aos sábados, enfim, foi criativo.
Então eu fiquei a me questionar se era possível escrever algo mais substancial na área. Também percebi que não haviam fotojornalistas com formação acadêmica em MS e que nossos coleguinhas não tinham nenhum interesse em seguir a área.
Minha melhor amiga em Mato Grosso do Sul, colega de turma, a Rosangela, escutou com interesse a minha preocupação. A Ro era uma editora maravilhosa, tanto de texto quanto em diagramação. Falei do meu interesse no final de 1996, e começamos a agir. Revisamos os livros de jornalismo que existiam na Biblioteca da UFMS para ver o que os autores falavam sobre o tema e era muito pouco (isso teria dado um bom artigo).
Naquela época a internet começava. Eu já tinha em casa um computador e um aparelhinho barulhento (o modem) que me ligavam ao mundo e fiz minha inscrição em listas como a JornalBR e FotoBR. Passei a dialogar por listas de discussão, com fotógrafos e jornalistas. No início de 1997, a pesquisa se efetivou, e um dos tópicos era observar o mercado. Como era a rotina, os valores dos pagamentos do mercado ao fotojornalista e as condições de trabalho em MS e aonde minhas possibilidades na internet alcançassem.
Foram quatro meses de pesquisa, com muitas entrevistas, tanto presenciais quanto virtuais, por e-mail (naquela época não exista web 2.0).
Depois foram dois meses a escrever o texto a quatro mãos, a diagramar, a fotografar imagens ilustrativas que faltavam. A Ro era uma bordadeira do pagemaker e do coreldraw. Ela ficava horas diagramando uma página. Um trabalho primoroso. Eu mergulhava nas entrevistas e nas fotografias.
Fizemos um material que tentava abarcar um pouco de tudo, para auxiliar um professor e um profissional.
É claro que rapidamente a questão técnica ficou defasada. Em 1997, a San Disc colocou no mercado um milhão de cartões de memória e isso foi o impulso que as empresas precisavam para qualificar a produção das câmeras digitais. A década de 2000 assistiu a queda do filme analógico, o definhamento da Kodak e claro, o livrinho passou a ter um enorme capítulo obsoleto.
Mas a parte de linguagem, de história e de mercado ainda eram importantes.
Eu fiz questão de enviar uma cópia para 15 universidades espalhadas pelo Brasil. E a UFMS, na pessoa do meu querido Professor Hélio Godoy, co-orientador, que passou a dar aulas de fotojornalismo, responsabilizou-se pela segunda edição, em 1999, com 300 cópias.
A parte de linguagem tinha o que encontramos de mais importante em autores consagrados.
Mas a Biblioteca da UFMS não tinha alguns autores que, hoje acredito, eram imprescindíveis, e o livrinho carece, coitado. Não havia Freund, Barthes, Flusser, Machado, Sontag, Joly, Bourdieu... e tantos outros que hoje são como livros de cabeceira para mim.
Mas o capítulo sobre o mercado, através das entrevistas, eu considero o mérito do nosso trabalho. Entrevistamos todos os fotojornalistas de Campo Grande, Capital do Mato Grosso do Sul.
E entrevistamos, através da internet, dez fotojornalistas espalhados pelo Brasil, em redações como a do Jornal do Brasil e Folha de São Paulo. Também conseguimos relatos de dois fotojornalistas do cenário internacional, um em Nova Iorque e o outro em Buenos Aires, e ganhamos ainda uma crônica, de um fotojornalista que estava na Europa.
A crônica, do Antonio Ribeiro, fala do banho que deu em sua bolsa de fotógrafo. Vale a pena ler...
Para ilustrar com maestria, um colega nosso, Paulo Moska, nos honrou com seus desenhos. São lindos e atuais.
Por causa desse trabalho, eu tive o prazer de ganhar amigos que saíram do virtual para o real e que os cultivo até hoje, como Tibico Brasil, de Fortaleza, que encontrei em Feira de Santana e depois convidei para minicursos e palestras na UESC, Rogério Madureira, fotógrafo e editor de imagens em Friburgo, e Arthur Max, do Rio e agora pelo mundo, fotógrafo do Itamaraty.
Destaco uma pessoa, durante todo o processo de produção do livro, que foi de uma generosidade incrível: o fotógrafo e professor Amado Becquer Casaballe. Uruguaio naturalizado argentino, sócio da revista Fotomundo, ele me enviou livros, revistas e artigos, pelos correios, para nossa pesquisa. Telefonava-me da Argentina e contribuiu imenso nos capítulos sobre a história da fotografia e sobre o mercado de trabalho. De 1996 a 2011 nós nos correspondemos por email, pelo menos a cada quatro, cinco meses. Em 2011 eu fui à Argentina conhecê-lo pessoalmente.
Passei 12 dias em sua companhia, a conversar sobre fotografia, conheci a Fotomundo, e penso que Bec se tornou uma das pessoas que amo incondicionalmente. Ele faleceu ao final de 2013 e eu guardo até hoje cópia de alguns mails, onde ele me falava de fotografia com poesia.
Outro ser mágico que este trabalho nos trouxe foi o Flávio Rodrigues. Flarod era editor chefe de fotografia no Jornal do Brasil. Flarod me ajudou imenso. Colocou-me em contato com André Arruda, Arthur Max, Evandro Teixeira e tantos outros fotojornalistas.
Flarod acabou sendo convidado a vir ao MS para estar na nossa banca de avaliação. Eu e a Rosangela resolvemos buscar patrocínio para pagar a viagem e a hospedagem do Flávio. Vendemos 100 cópias do livro a dez reais com esta finalidade. Agradeço a cada amigo que esteve no lançamento e colaborou. Flávio e Annie, sua esposa, ajudaram-me imenso e queriam muito que eu ficasse no Rio de Janeiro. Morei com eles por alguns meses, após formada, e ele me levou a conhecer várias redações e agências, como a do JB, a de Rogério Reis e a equipe de O lance. Estive com Flávio em 2016 e ele me disse que eu era motivo de frustração entre ele e Annie, que não conseguiram me segurar no Rio. E eu só o disse que a juventude é burra. Eu fiquei com medo do Rio.
Flarod faleceu este ano e meu coração aperta porque eu deveria ter ficado por lá, vivido mais perto desse homem cheio de magia da imagem.
O nosso livrinho foi o primeiro projeto de conclusão do curso de Jornalismo da UFMS a receber uma nota máxima (10). Muito nos honrou como o Reitor se referiu ao nosso papel colaborativo e de produção do conhecimento para o curso, quando fomos convidadas a ir ao seu gabinete. Também muito nos honra a forma como fomos tratadas pelos nossos orientadores, o querido Sérgio Borgatto, calmo e colaborativo, Hélio Godoy, sempre com textos e livros, palavras de incentivo e dicas, pois éramos muito ocupadas, eu e a Ro, e vivíamos sempre temendo que não daria tempo terminar tudo como queríamos. Eu tinha dois trabalhos (era repórter e assessora, além de fotojornalista, prestadora de serviços em 04 empresas) e a Ro trabalhava em uma gráfica, como gerente e também na área de edição.
E, com a revisão da memória afetiva após 20 anos de terminada a tarefa da graduação, o meu imenso agradecimento a Jorge Kanehide Ijuim, Maadakay, eterno mestre, que até chá nos preparava nas sessões de orientação. A ele e a Jaque, sua esposa, minha eterna gratidão. Jorge nos chamava de a arretada e a valente. Eu e Ro, uma dupla dinâmica.
Daquela época, no exercício de uma descrever a outra, mantenho a Rosa Leão. Ela é determinada e doce. Uma combinação perfeita. Sempre que dá, a gente se reúne. Na foto, eu, Ro, Jorge e na barriga o Victor, segundo filho da Ro.
Vinte anos depois, passada a euforia de ser repórter de rádio e TV, de ter sido fotojornalista free lancer, eu percebo que é a estudar a fotografia que eu mais me realizo. Eu gosto da Teoria da Imagem. Estar em Portugal a estudar o espontâneo é uma realização que me é cara e venturosa. E é um prolongamento desse início, onde o fotojornalismo já era, para mim, técnica, história e arte.