Na vida, às vezes levamos anos para entender uma mensagem simples: O que fazemos não é tão importante para outras pessoas. Não mesmo.
Eu sempre fui uma professora muito consciente do conteúdo que preciso ensinar, ler, estudar e cobrar dos alunos. E sempre achei que a minha disciplina era muito importante no curso, afinal vivemos um período muito imagético, e na internet e com os novos meios, essa importância só aumenta. Certo?
Pois é, mas não é para todos os alunos. As pessoas não são iguais, têm histórias diversas e suas vidas tem fluxo próprio.
Pois bem, tive um estudante que teve certa dificuldade de lidar com a metodologia avaliativa da minha disciplina. Ela é anual e ele tentou um semestre, não conseguiu, faltava muito ou chegava atrasado, as vezes perdia as explicações teóricas e já chegava na parte prática, ele não deu conta de ter um blog da disciplina, tinha dificuldade de entregar os trabalhos e acabou desistindo.
No ano seguinte, pois a disciplina é anual, lá estava ele de novo. Desta vez mais participativo. Mas o blog era uma dificuldade, ele não fez e não postou os trabalhos, que eram muitos. A disciplina tem 40 horas teóricas e 45 horas práticas. No ano seguinte, outra vez. E foi a mesma história.
Todas as vezes que nos víamos, eu dizia: rapaz, cadê você?
Este ano ele voltou. Mostrou-me que havia comprado uma câmera e já fazia fotos de todos os eventos do lugarejo em que ele morava.
Explicou-me que era um povoado sem internet, com dificuldades para ter acesso e me explicou que trataria minha disciplina de forma diferente desta vez.
Eu já o olhei de forma diferente, pois não sabia que ele morava em local tão complicado de acesso.
Com a ajuda de colegas ele construiu o Blog. Fez seu seminário individual e foi bem, participou de exposição, fez ensaio, tudo bonitinho e estava indo bem, eu sabia que ele dessa vez, daria conta.
Faltando uma semana para terminar o semestre, lá fomos nós, participar de uma exposição em outra universidade, a UNILAB, Campus dos Malês, em São Francisco do Conde. E lá estava ele. Não só nos ajudando a montar nossa exposição, mas expondo também: móveis, feitos de pneus.
Lindos móveis.
Feitos com pneus velhos que ele conseguia nas borracharias da estrada de Santo Amaro da Purificação para Cachoeira.
Eu vi o talento dele, tão maravilhoso, fisicamente, concreto, naquele trabalho artesanal tão bem feito. Minha ficha caiu: para quê esse moço precisa de fotojornalismo?
que importância tem minha disciplina na vida dele?
Eu senti algo novo: achei tão sem importância a minha disciplina, para o tanto de atraso que ela causou na vida dele. Eram quatro tentativas.
Ele passou, claro, na disciplina, mas já está passado há trocentos anos na vida, no talento, na garra, na criatividade.
E eu, de cá, fiquei a rever a importância de algumas questões, nas decisões de um professor. Se eu soubesse mais da vida do Arnaldo, com certeza, ele teria sido avaliado de outras formas, sem blog, sem tanta metodologia tecnológica e talvez com uma sensibilidade maior. Não sei se o fato dele ter se desdobrado para dar conta da metodologia, o ajudou em algo, não sei se tudo poderia ter sido mais leve, diferente, caso eu soubesse disso tudo antes. Mas sei que me fez pensar e gosto quando algo se modifica aqui dentro.
Um comentário:
Alene, fiquei muito tocada com seu depoimento. Sempre estou buscando rever meus conceitos, minha relação com meus alunos, com a Universidade e com as estruturas sócio ambientais, assim, análises como a sua nos impulsiona mais a buscar sempre esse caminho. Grata pelo compartilhamento da sua experiencia. Abraço!!
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