Eu sempre soube que ao longo da vida vamos nos enchendo de informações, impressões, conteúdos, conhecimento, experiências, percepções... enfim, vamos vivenciando e guardando, no consciente e no inconsciente, o resultado disso tudo. E assim vamos montando a mala que nos acompanha. Esta mala sempre se abre quando temos novas experiências. Ela se abre e tudo o que está lá dentro se apresenta, pronto para ser comparado, demonstrado, revelado, ampliado, retratado, as vezes, vomitado, por nós, diante do outro, que vivencia conosco aquelas novas experiências. E as vezes o conteúdo da mala nem sempre é identificado antes de ser revelado, o que pode nos provocar surpresa, porque falamos algo ou fazemos algo sem pensar. Exemplo prático: na vida à dois, quando uma briga acontece, acabamos falando coisas que vem direto da mala. Coisas que lemos, que ouvimos falar, que vimos em um filme, que sentimos em brigas anteriores e engolimos, enfim, tudo vem, de todos os lados... E as vezes nem temos consciência que fazemos isso. Terapia ajuda a dar uma revisada nessa nossa mala de vez em quando.
Mas o que eu nunca tinha parado para pensar e que minha terapeuta me fez ver esta semana, é que temos ainda mais duas malas conosco. A de nossa mãe e a do nosso pai. Não integralmente, apenas as que eles, com ações, palavras, nos marcaram. É como uma herança que recebemos e nem percebemos. E as vezes são heranças que pesam, porque apenas nos chegam aquilo que eles fizeram e o que nós percebemos que foi feito. Sem a explicação deles do porquê de determinados atos ou palavras. Ah, e o nosso companheiro também tem as malas dos pais.
Dito isto, vou dar o exemplo que vivenciei e que só agora estou compreendendo as 'caras e bocas' que fazia e as palavras que dizia sem nem mesmo sentir.
Contextualizando parte do que compõe minhas malas: Eu fui criada em um clima de insegurança financeira em minha família. Aos 13 anos comecei a perceber que meu pai era instável financeiramente. Ele abria muitos negócios que não iam a lugar algum. Ele dizia que não tinha dinheiro para fazer a feira completa da semana, mas chegava em casa com vinho, cerveja, carne para churrasco, whisky e cigarros. Isso nunca faltava. E eu, cá, formando os pacotes da minha mala...
A insegurança financeira dele fez minha mãe tomar algumas atitudes. Ela voltou a estudar, fez concursos, começou a dar aulas na rede municipal e estadual, entrou na universidade e passou a sustentar a casa. Ele, enciumado, com despeito, que eu percebia mas não analisava, via um marido cada vez mais grosseiro. Um pai que eu admirava ia se transformando também em uma referência de 'marido indesejável' aos olhos de uma mocinha. Meus sonhos de casar terminaram ali. Tudo ia para a minha mala.
Meu pai cada vez mais sem grana, minha mãe cada vez mais dona da vida financeira da família.
A insegurança financeira de meu pai me levou a mudar de escola, saí da escola que eu gostava (era particular, onde estudei da 1ª série primária ao 1º científico), para ir para uma escola estadual _ a maior da minha cidade. Parei de me preparar para um vestibular e fui fazer magistério. Aos 16 anos eu fui trabalhar em um projeto do governo municipal como monitora de crianças de 4 aninhos (projeto Educar). Passei em concurso da prefeitura e no vestibular para Letras aos 17 anos e aos 18 fui dar aulas na escola que eu estudei a vida toda, à convite das Freiras da instituição, que gostavam de mim, na Ação Fraternal de Itabuna. Ao final dos 18 anos eu tinha independência financeira.
Minha mãe entrou na universidade, meu pai vivia de bicos.
Eles se separaram eu tinha 22 anos.
O resultado disso tudo, hoje analiso, foi uma mocinha temerosa com relação à relacionamentos e ao uso do dinheiro.
Sempre fui muito econômica. A ponto de meus irmãos acharem que eu não sabia curtir a vida e de Cris, pai do meu filho, me achar avarenta. E não consegui casar. Tive pessoas importantes em minha vida que me propuseram casamento. E eu acabei fugindo. Achei todos os defeitos neles!!! Como se eu fosse perfeita!!!
Mas agora, em análise com minha terapeuta, vemos que era apenas meus mecanismos de defesa em ação.
Não eram os defeitos alheios que me afastavam da possibilidade de conviver maritalmente com alguém. Era a possibilidade de repetir o modelo dos meus pais. As três malas sempre se abrem. As nossas e as dos nossos pais...
Mas vejam, minha mãe é filha de uma relação mal sucedida. Meu pai também. Meus avós maternos não moravam juntos. Meus avós paternos moravam, mas dormiam separados e meu avô tinha amante.
Olha que horror!!! Imagine as malas que meus pais carregavam...
Então eu sou fruto de um bom número de malas complicadas no quesito 'casamento'.
Pois bem, convivi por dois anos com um namorado (não moramos em uma casa comum), mas tendo vida muito próxima, no mesmo bairro, observei que ele é fruto de um casamento cheio de carinho entre os pais, e ele (apesar de eu ser o quarto longo relacionamento), buscava ter algo parecido com o que seus pais construíram.
Eu convivi por quinze dias com os pais dele e vi que se amam muito.
O pai dele, que sempre foi provedor, nunca deixou nada faltar. A relação dele com o pai sempre foi de segurança financeira, de tranquilidade. Então, quando ele me via economizando e com dificuldade em gastar comigo, ele estranhava.
E eu, quando o via comprando coisas caras (que as vezes acho supérflua), mas que para ele são naturais e prazerosas, fazia caras e bocas sem sentir. Mas se não sou eu quem ia pagar, se era o dinheiro dele que era gasto, de onde vinha minhas caras e bocas?
Descobrimos, na terapia, que as herdei da minha mãe, da minha adolescência, das vezes que vi meu pai chegar com coisas para ele, em detrimento do que nossa casa, nossa mesa e geladeira precisavam, e de mim, de minha mãe e meus irmãos. Carrego as caras e bocas das minhas malas...
E é esse é apenas uma agulha desse enorme palheiro.
Urgente meus tratamentos!!! analisar as malas, identificar que conteúdos são esses, que precisam ser reciclados, retirados, modificados... Quero deixar as malas leves. Elas tem pesado sobre mim e impedido minha evolução.
Sinto que sem esses conteúdos eu vou dar conta da 'felicidade nossa de cada dia' de forma mais tranquila.
Quero que as malas virem sacolinhas!!!!
2 comentários:
Alene parabéns, muito bom,eu estou igual a vc precisando esvaziar as minhas malas como faça?
Que legal Alene! Acredito que com a experiência do outro podemos aprender muito. Ainda nem pensei em casar, mas já me identifico com o texto. Ótima reflexão! Te admiro. Boa sorte nessa luta.
Postar um comentário